segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

MULHER


Mulher. O que significa esta palavra depois da erosão dos séculos, depois de toda uma masculinidade que se serviu dela? Filhas do deserto; onde está o lago e o óasis que poderá reflectir o nosso rosto? Será que uma revolução poderia começar num quarto anónimo, será que poderia pensar e sentir por todas nós? Todas as heroínas aspiram a um secreto martírio. Tão íntimo que se fosse revelado, perderia toda a sua volúpia. Onde estão os omine, os sinais de referência, os augúrios do vôo das aves? Fazer daquilo que é mais antigo um aliado, um confessor. O meu corpo tão presente e tão distante. Quantas vezes tive que o ler no espelho dos olhos do outro? Nos seus movimentos e imobilidade recorda-me um livro; um trilho onde o vento e a água insistem em traçar uma nova paisagem sempre. O meu corpo como uma terra e última fronteira onde me despeço de mim. Quando tinha dezasseis anos, vi um documentário sobre um teatro anatómico. O meu supremo horror então, foi observar como o corpo era separado. Será que na realidade sou os meus pés, os meus rins, o meu sexo? Ou tudo não passa de um efémero cenário de cartão, como aqueles antigos teatros de rua? Quem poderia voltar a unir, o que de tão dramática forma, foi separado? Como achas que começarei a ser esquecida amor? Pelo rosto? Pelos olhos? Pela face? Existe algum sinal no nosso corpo que nos possa advertir da futura dor? Que possa ser riscado como uma garatuja se nos ofender? Cansada agora como uma velha rotina e antigos chamamentos, mergulho fundo nas águas escuras, onde ninguém me possa ver. Apenas serei recordada pelas minhas histórias; a minha linguagem uma vez despojada do meu ser, e da minha história, será finalmente livre. E se ainda consigo agilmente, tocar as pontas dos pés com as mãos, imagina amor como eu seria livre se fosse apenas uma pequena história, uma canção de boca em boca. Livre, sem peso e imaterial.

(Ilustração: Sin, Von Stuck)

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