terça-feira, 2 de março de 2010

Ars Medica
















(Lição de Anatomia, Reembrandt)

O livro de António de Augusto Simões: Topografia Médica das cinco Villas e Arega (1848), refere um conjunto de crenças populares coevas, que ilustram bem o sincretismo popular entre o catolicismo e crenças mais antigas, que remetem para a natureza seguindo uma longínqua herança panteísta, e para um conjunto de práticas e objectos do quotidiano. O termo topografia médica, define um estudo geográfico e cartográfico de um determinado local, na sua relação com a doença e saúde, no âmbito da saúde pública e da investigação sobre as metodologias epidemológicas a adoptar. É assim, sintomático do esforço racionalista e normativo do século XIX, em relação à uma política sanitária, em paralelo com uma afirmação de poder, prestígio e identidade por parte da classe médica, que ridiculariza a crença popular. segundo o dominante paradigma racionalista deste século. Sociologicamente admite-se que a citada classe se sentisse ameaçada pela concorrencia das práticas médicas populares, e pelo facto do médico ser eventualmente encarado em muitas comunidades rurais, como o estrangeiro, o outro que vem de fora, e que coloca em causa os seus hábitos e tradições. Nomeadamente António Simões considera em relação às populações que estuda no seu livro: A esta falta de intrução e singeleza de costumes, pode atribuir-se à imensidade de superstições e crenças ridículas. Ou seja as crenças populares médicas são entendidas no seu sentido literal, o que explica que em paralelo tambem exista pontualmente uma tentativa de explicação racional das mesmas, não nos seus mecanismos de eficácia psicológica ou sociológica, mas relativamente ao seu valor curativo. O discurso médico assume-se assim como um poder normativo e normalizante, logo inevitavelmente politico.

Vejamos algumas das crenças mencionadas, segundo a patologia (os comentarios de Simões a cada prática, estão em negrito):

Hemoraghia

Para suspender qualquer as hemorragias uterinas, deita-se ao pescoço do doente um fio de grossas contas de marfim (que por alli andam de casa em casa com o nome de contas de estancar sangue).

Para suspender qualquer hemorraghia, dá-se a beber ao doente uma infusão de fitas encarnadas do altar do Senhor dos Afflictos de Maçãs de D. Maria.

Hérnias

Nas hérnias ou roturas das crianças, devem os padrinhos abrir um carvalho novo; passar a criança através d'aquella racha, e enleiar o carvalho em seguida. Se o carvalho soldar, a rotura da criança também soldará

Icterícia

Para se curar a ictercía, deve o doente urinar, por nove dias sucessivos em nove púcaros de 5rs, enchendo um em cada dia. Dependurados os nove púcaros na chaminê, quando tiver secado a urina, que os enchia, ficará curada a icterícia.

Para se curar a mesma icterícia, deve o doente urinar todos os dias sôbre manaios brancos, e a moléstia estrá curada, quando a planta tiver seccado

Sapinhos (Micoses)

A chave do sacrário mettida na bôcca das crianças com sapinhos, cura-os immediatamente (Estando a chave oxidada o óxido mettalicco poderia produzir o curativo).

As cinco vilas consideradas neste estudo, estando o nome actual entre parentsis, localizam-se actualmente enquanto Freguesias de Concelhos do Distrito de Leiria:

Aguda, Arega: Concelho de Figueiró dos Vinhos.

Avelar, Chão de Cource, (Chão de Couce), Pousa Flores (PousaFlores): Concelho de Ansião

Maçãs de D. Maria: Concelho de Alvaiázere

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