domingo, 6 de junho de 2010

3 VISÕES SOBRE A CONDIÇÃO HUMANA (I - Céline)



(Foto do escritor Louis-Ferdinand Céline)

Tu putrículo informe e insignificante, tu nunca passarás de imundice... És só merda de nascença... Estás a paerceber?... É mais do que evidente, é o princípio de tudo! Mas... se calhar... se calhar...vendo a coisa mais de perto... pode ser que tenhas uma oportunidade de te perdoarem por seres assim imundo, excremencial, incrível... É mostrares boa cara a todas as penas, provações e misérias e tormentos da tua existência, breve ou longa. Em perfeita humildade... A vida, a velhaca, não é mais que uma prova rude! Não te esfalfes! Não andes à procura de grandas trabalheiras! Salva a tua alma, já não é mau de todo! Talvez lá no fim do calvário, se fores extremamente cumpridor, herói do "cala o bico", venhas a espichar dentro dos principios... Mas não é certo... um pelinho menos pútrido ao dar o berro do que ao nascer... quando caires na noite mais respirável do que na aurora... Mas deixa-te de ideias... É tudo!... Cautelinha! Não especules com grandes coisas! Para um cagalhão, isso é o máximo!

Louis-Ferdinand Céline Mea Culpa pp. 18-19.

Neste "extraordinário" texto de Céline, podemos constatar pensamentos fundadores do pensamento de Direita Radical, ao menorizar e desvalorizar o indivíduo, de maneira a justificar o domínio do líder, ou de uma elite. O medo inerente à condição humana é também exacerbado, condenando-se o desejo natural de conhecer e pensar, pois a reflexividade gera sempre fracturas no seio de uma nação, ou comunidade que se deseja irracionalmente unida. Note-se que este receio do conhecimento também está presente em diversas narrativas teológicas, tanto de origem judaica como clássica. Em contrapartida a submissão social, o fatalismo, a tradição e o imobilismo são devidamente recompensadas, não na terra naturalmente pois tal seria muito reaccionário, mas numa vida da alma, numa dimensão do provir. A existência é enfatizada nos seus aspectos negativos, para que possamos aceitar as provações, ofensas e injustiças como algo natural e inevitável. A esperança não reside no conhecimento, mas sim no eventual perdão de uma instância, seja ela humana ou divina, necessariamente obscura. Ou seja e em conclusão estamos na presença de tudo o que contraria o fundamento, o pensamento, e os valores racionais da civilização.

Este texto foi publicado em 1936. Escrevo estas palavras em 2010, e acredito que ainda anda por aí muito arauto desta funesta filosofia do texto de Céline.


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