Annaes administrativos e economicos
Lisboa, Typografia do Jornal de Commercio, 1855.
Descrição física; 26 cm.
Apenas dois números
publicados. Editado pela Câmara Municipal de Lisboa. Segundo o paradigma liberal,
preocupa-se em divulgar perante os cidadãos, a actividade da Administração.
Esta ganha relevo desde a Revolução Francesa e revoluções liberais, no âmbito
da separação de poderes. Em Portugal este princípio concretiza-se no decreto nº
23, da autoria de Mouzinho da Silveira, que consagra a centralização da
autoridade do Estado, de 16 de Maio de 1832. Tal diploma divide o Reino em
províncias, comarcas e concelhos, cuja direcção é atribuída a administradores: Prefeitos, Sub-Prefeitos e
Provedores, nomeados pelo Rei, sendo assistidos por Juntas electivas. Note-se
que a divisão mínima do território, a paróquia, nem sequer é mencionada. Esta
atitude do legislador é explicada a partir da herança de uma diversidade
feudal, e de uma dispersão legislativa; no contexto de uma guerra civil, o Estado
procura assim definir as suas funções com exactidão perante os cidadãos,
segundo a racionalidade e organização. A Administração é o cimento que integra
então todas as partes de um corpo social, segundo o bem comum, enfatizando-se a
autoridade do Estado como princípio unificador.
Sendo editada pela C.M.L. o
alcance da publicação transcende o interesse local, ao projectar-se no domínio
nacional. Destaca-se ainda a visibilidade pública, na medida em que os Annaes, no seu programa
defendem princípios de transparência e consulta pública, dos actos
administrativos que seriam atempadamente publicados. A linguagem administrativa
deve ser própria, os poderes da governação correctamente definidos nas suas
fronteiras, reconhecendo-se que muitos cidadãos ignoram ainda esta temática e a
sua importância cívica, independentemente de serem os sustentáculos do poder do
Estado. São aliás estes os princípios da Constituição de 1822, e mesmo da Carta
Constitucional de 1826, ainda que esta divida a soberania entre o Rei e a
nação. Importa no entanto o cuidado de não fazer uma leitura precipitadamente
moderna destes assuntos, pois ambos os textos colocam limitações ao direito de
eleger e de constituir-se como representante. A própria produção legislativa encontrava-se
à data dispersa pelas Ordenações Afonsinas (1446/1454); Ordenações Manuelinas
(1512-1520), modificadas em 1526, 1533 e 1580 e Ordenações Filipinas (1603).
Tal só vai cessar com a entrada em vigor do Código Civil de 1867. Quanto a
códigos administrativos temos o primeiro em 1836 por Passos Manuel.
Tentando concluir, esta publicação corresponde à
consolidação de realidades modernas no domínio do Estado e da sua relação com
os cidadãos, perante a desintegração das sociedades de Antigo Regime. Ainda
assim a publicação conheceu uma existência efémera, cujo epitáfio aparecerá em
1856 nos Annaes do Município de
Lisboa, atribuindo a sua extinção à falta de interesse público. Fica
aqui a pequena homenagem pelo esforço eventualmente prematuro de transparência,
diálogo e pedagogia cívica, que continua naturalmente tão actual, como na segunda
metade do século XIX.
Sem comentários:
Enviar um comentário